Um dos poetas mais reconhecidos e admirados do Brasil, Vinícius de Moraes escreveu alguns dos versos mais populares da literatura lírica brasileira. Envolveu-se também com música, dramaturgia, jornalismo e, por 26 anos, trabalhou como diplomata. Mas primordialmente era um poeta.
Faleceu em 1980, com 66 anos de idade, mas ainda hoje os seus versos se mantêm bastante atuais e continuam populares, mesmo entre os mais novos.
Selecionamos 10 dos melhores poemas do autor que trazem um sopro de beleza e clareza aos nossos corações:
1. Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Este talvez seja o poema mais conhecido de Vinícius de Moraes, mesmo que muita gente substitua “infinito” por “eterno” no verso final, ficamos todos atentos a este amor com tal zelo, que no fim pode ser eterno mesmo, contanto que dure.
2. Poema dos olhos da amada
Ó minha amada
Que olhos os teus
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus…
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus…
Ó minha amada
Que olhos os teus
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus…
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus…
Ó minha amada
Que olhos os teus
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.
3. A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Nem só de amor falou Vinícius. Este poema inspirado no bombardeio realizado pelos EUA na cidade de Hiroshima, no Japão, foi um dos seus mais contundentes protestos em forma de poesia. Em 1973, a banda Secos e Molhados eternizou o tema em música na voz de Ney Matogrosso.
4. Tomara
Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais…
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais…
Qualquer paixão tem seus altos e baixos. Tomara fala da angústia que se sente quando se está separado e zangado, torcendo que a mágoa passe e que a paz do amor retorne.
5. Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Um homem bastante dedicado ao amor, um verdadeiro colecionador de paixões. Esteve casado por 9 vezes… Não é à toa que descreve tão bem o processo em que um amor se acaba e não resta outra alternativa, se não a separação.
6. Soneto do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…
Com tantas parcerias geniais, não é de se admirar que a amizade fosse tão valorizada pelo “poetinha”, apelido dado por Tom Jobim. Além do músico, outros grandes nomes da cultura brasileira foram bons amigos de Vinícius de Moraes, como Toquinho, Chico Buarque e João Gilberto.
7. O verbo no infinito
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…
A arte de escrever foi dominada com maestria por Vinícius de Moraes. Mais que um ofício, era uma paixão para o poeta. Em O verbo no infinito vemos o autor brincar com as palavras e suas regras, um poema metalinguístico que trata do escrever e do ciclo da vida.
8. Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
9. Pela luz dos olhos teus
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p’ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p’ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
Um dos grandes hinos da Bossa Nova, resultado da parceria entre Vinícius de Moares e Tom Jobim. Os dois, acompanhados de João Gilberto, foram os criadores do gênero musical no final da década de 1950.
10. O Velho e a Flor
Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.
Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:
O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.
Para concluir, um poema lançado nos últimos anos do autor. Versos que falam de uma vida inteira em busca do amor, descobrindo o seu significado na sabedoria e experiência da velhice.
Fonte: Pensar Contemporâneo
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