Poderosa e capaz de comandar tudo o que somos e fazemos, incluindo o modo como o nosso corpo funciona, sublinha o psicoterapeuta Pedro Brás, diretor-geral da Clínica da Mente. «Muitas doenças físicas que não são causadas por efeitos externos devem-se a disfunções do corpo e podem decorrer de como as instruções mentais estão a ser processadas, consciente ou inconscientemente.» É assim possível reverter algum mau funcionamento físico alterando a forma de pensarmos e interagirmos com o ambiente que nos rodeia, diz. «Já todos vimos como é fácil parar a dor de uma criança quando a mãe lhe dá um beijinho na ferida, não é?» Além de se saber hoje que 95 por cento das doenças crónicas são motivadas por fatores que envolvem stress sobre o organismo.
«O corpo e a mente coexistem como um todo», diz Gonçalo Pereira, formador em mindfulness. «Ignorar aspetos emocionais e cognitivos afasta-nos das manifestações físicas da nossa experiência.»«Acreditando que algo nos vai tratar, a nossa mente muda e pode alterar a maneira como o corpo estava a agir em relação à doença física ou mental. Também alguém acreditou que podíamos chegar à lua… e chegámos», observa Pedro Brás, explicando que na clínica os terapeutas vão à origem emocional que causa a perturbação: traçam uma espécie de mapa do comportamento humano, a explicar como e porquê as pessoas pensam e se comportam de determinada forma, e então intervêm para criar profundas alterações nos estados negativos que geram doença, de dentro para fora. No caso de Emília Ramos, foi decisivo para se curar completamente da depressão, lidar com a fibromialgia – que é crónica, mas deixou de incapacitá-la – e debelar o cancro de mama diagnosticado em outubro.
«Aprendi a ser mais forte do que as dores, o que me ajudou imenso também no processo oncológico», afirma a comercial em cosmética, convicta de que cada um de nós define os seus limites. «Comigo funcionou onde as sobredoses de medicação para a dor crónica falharam. Foi ainda uma espécie de prevenção divina: se não fosse esta reprogramação eu teria descambado com o cancro, quando hoje me sinto cheia de força para vencê-lo.» Como depreciar o potencial da mente se cirurgiões do Centro Hospitalar Universitário de Tours, em França, já estão a usar técnicas de hipnose nas cirurgias de extração de tumores cerebrais, em vez de anestesia geral? «A mente é uma caixinha de surpresas, faz acontecer. Só temos de deixá-la fluir, como pretendiam alguns sábios orientais que há muito postulam o alcance da focalização mental.»
Que o diga o reputado endocrinologista indiano Deepak Chopra, radicado nos EUA: o funcionamento das nossas células está diretamente ligado aos pensamentos que criamos, sendo constantemente modificado por eles. Alguém que esteja deprimido, por exemplo, projeta tristeza em todo o corpo. «A produção de neurotransmissores por parte do cérebro é reduzida; o nível de hormonas baixa; o ciclo de sono é interrompido; os recetores neuropeptídeos na superfície externa das células da pele [responsáveis por mediar respostas sensoriais e emocionais como fome, prazer ou dor] tornam-se distorcidos; as plaquetas sanguíneas ficam mais viscosas. Até as lágrimas têm traços químicos diferentes das de alegria», concretiza o especialista, admirado por celebridades como a apresentadora Oprah Winfrey e a cantora Madonna.
O médico Deepak Chopra com a apresentadora Oprah Winfrey (Fotografia: Direitos Reservados).
Sem negar a abordagem da medicina ocidental (necessária em alguns casos urgentes, como certos tumores), fazia-lhe sentido sintonizar a mente com o corpo através de yoga e meditação, ouvindo os sinais para determinar uma resposta fisiológica e controlar a doença. Ao integrar na sua prática mais convencional o ayurveda – conhecimento médico desenvolvido na Índia há sete mil anos e reconhecido pela Organização Mundial de Saúde – chegou àquilo que chama de “cura quântica”: a capacidade de a mente corrigir os erros no corpo, igualmente defendida pelo biólogo celular Bruce Lipton. «Apesar da ligação corpo-mente ser invisível, quem pode achá-la irreal? Vemos essa verdade sempre que um bebé se aninha nos braços da mãe: em poucos minutos os dois respiram ao mesmo ritmo», diz Chopra.
Ninguém supunha ser fácil concordar quanto ao que é a mente, mas num ponto todos coincidem: a vontade do paciente em curar-se é parte vital do tratamento.Mas o que é isto da mente, afinal? Cláudia Carvalho, professora e investigadora do ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, adianta que o termo se refere geralmente à consciência humana, embora não sejam sinónimos. «Como Freud sugeriu, a consciência pode ser só uma parte dos processos mentais (ele tinha noção da imensa abrangência e poder dos processos mentais que ocorrem abaixo do nível da consciência), ao passo que a revolução cognitiva veio permitir conceber a mente como o fluxo de informação que é criado e processado pelo sistema nervoso.» Inúmeras abordagens visam compreender o conceito, desde doutrinas religiosas e teorias filosóficas à cibernética e modelos da psicologia e da ciência computacional. Ninguém supunha ser fácil concordar quanto ao que é a mente, mas num ponto todos coincidem: a vontade do paciente em curar-se é parte vital do tratamento.
BERNARDO PINTO COELHO, 44 ANOS, NÃO TEM DÚVIDAS de que já estaria morto se assim não fosse. «Diagnosticaram-me esclerose lateral amiotrófica em junho de 2009, tinha então 37 anos, e foi um duro golpe: as mãos sem músculo nem gordura. A falta de força a avançar até me apanhar todos os membros superiores e as pernas», conta o gestor, um furacão que toda a vida fez desporto. Sabia que a doença é degenerativa, progressiva, não tem cura. Que a perda das capacidades chega aos poucos e muita gente morre ao fim de dez meses após os primeiros sintomas. «Deixei que o stress me consumisse, sem ouvir o corpo a pedir tréguas, mas não aceitava que iria parar a uma cadeira de rodas e morrer. De modo que mudei radicalmente de alimentação (nada de açúcares, laticínios, cereais) e vou tentando alternativas de tratamento. Tenho muita fé.»
Bernardo Pinto Coelho (Fotografia: Carlos Manuel Martins/Global Imagens).
Sabendo que a sua esclerose é incurável, Bernardo não desiste. Tem dificuldade em escrever, falar, escovar os dentes, mas conduz o seu carro e é DJ em Cascais. Passados oito anos do diagnóstico, não só contrariou as previsões fatalistas como casou com Joana Horta e Costa em junho de 2016. «Um dia vou voltar a correr no Guincho. Agarra-me a esse sonho com tudo o que sou.» Um pouco como fez o norte-americano Darrell Horcher, lutador de artes marciais mistas, após quase ter morrido num acidente de mota em maio do ano passado: quando o médico anunciou que não voltaria ao ringue, respondeu-lhe que ia estar a treinar em setembro e a competir este verão. «Se acreditarmos, o corpo obedece. Sou muito forte mentalmente, o que ajudou. O meu cérebro dizia ao corpo “Vais ficar bom, vais lutar” e ele obedeceu», conta o atleta, que em junho derrotou o rival Devin Powell em combate.
O lutador de artes marciais mistas Darrell Horcher (Fotografia: Direitos Reservados).
Segundo o médico neurologista António Damásio, a criação da mente reside na capacidade de o cérebro criar mapas neurais, que vão dar origem a imagens das estruturas que compõem o corpo e dos estados funcionais que assumem. «O cérebro criador desses mapas tem, assim, o poder de introduzir o corpo, literalmente, como um conteúdo do processo mental», esclarece o investigador no livro E o Cérebro Criou o Homem. Mais: as imagens mapeadas do corpo influenciam permanentemente o próprio corpo em que se originam, uma situação sem paralelo nas imagens mapeadas de objetos e fenómenos externos ao corpo, que nunca podem exercer influência direta sobre eles. «Corpo e cérebro executam uma dança interativa contínua. Pensamentos implementados no cérebro podem induzir estados emocionais que são implementados no corpo, enquanto este pode mudar a paisagem cerebral e a base para os pensamentos.»
NUMA PESQUISA DA UNIVERSIDADE DE NORTHAMPTON, Reino Unido, conduzida pelo especialista em biomecânica do exercício Tony Kay, um grupo de sedentários passou a usar 69 por cento da massa muscular das barrigas das pernas, contra a média inicial de 46,3 por cento, utilizando apenas o “motor imaginário” de passar 15 minutos por dia a pensar em contraí-las, durante um mês. Noutra experiência com 84 camareiras de hotel, Ellen Langer, professora de psicologia na Universidade de Harvard, disse a metade que o seu trabalho equivalia a irem ao ginásio, enquanto as outras continuaram a encarar o que faziam com os mesmos olhos. Ao fim de um mês, as primeiras foram as únicas a baixar de peso, perímetro abdominal e pressão arterial.
Também as crenças negativas nos afetam (efeito nocebo): um estudo mostrou que 79 por cento dos alunos de medicina desenvolve sintomas de uma das doenças que está a estudar: ao ficarem paranoicos, a pensar que vão adoecer, adoecem. «Mudar os nossos pensamentos pode mesmo alterar o modo como o nosso cérebro comunica com o resto do corpo, mudando a bioquímica do organismo», confirma a coach norte-americana Lissa Rankin, autora de A Cura Pela Mente. Ela própria médica convencional após 12 anos de formação e oito de prática clínica, cética por natureza, esteve a ponto de morrer de complicações de saúde causadas por stress. Foi quando começou a estudar histórias de autocura espantosas: uma mulher com um cancro da mama e metástases que entrou em remissão espontânea; um paciente com um aneurisma cerebral que desapareceu; um homem baleado no cérebro que recuperou sem tratamento.
A médica Lissa Rankin (Fotografia: Direitos Reservados).
«Descobri provas científicas de que se pode alterar a fisiologia do corpo reorientando a mente. Seja qual for o mecanismo, é evidente que a mente e o corpo comunicam através de hormonas e neurotransmissores, que têm origem no cérebro e depois transmitem sinais a outras partes do corpo», diz Lissa. Aqui se inclui o famoso efeito placebo, em que a convicção de que o corpo está a receber um remédio ou operação basta para um alívio concreto dos sintomas.
«O placebo é fisicamente inerte (sem princípio ativo), mas não psicologicamente inerte», apoia a psicóloga Cláudia Carvalho, investigadora deste efeito ainda misterioso na medicina. «É obtido pelos aspetos psicológicos da administração do tratamento – expetativas positivas, confiança médico-paciente, rituais médicos, esperança – e está documentado poder estimular respostas fisiológicas reais em casos de dor, depressão, ansiedade, fadiga e até sintomas da doença de Parkinson.»
Vasco Gaspar, psicólogo e especialista em mindfulness (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens).
«O corpo e a mente coexistem como um todo», confirma Gonçalo Pereira (conhecido como Sagara), um dos formadores de mindfulness mais experientes em Portugal. O despertar do corpo a partir de dentro, resultante da atenção plena que lhe damos aqui e agora – é isso o mindfulness –, ajuda-nos a descobrir emoções reprimidas e a saber como ele reage a pensamentos, emoções e acontecimentos que nos moldam a cada instante. «Distanciando-nos da experiência física desligamos dessa vida interior. Pelo contrário, ignorar aspetos emocionais e cognitivos afasta-nos das manifestações físicas da nossa experiência», diz. Certo é que desde 1979 tem sido aplicado em contexto clínico a partir do trabalho de Jon Kabat-Zinn, professor de medicina na Universidade de Massachusetts, que criou o programa de Redução de Stress Baseada em Mindfulness (MBSR).
Gonçalo Pereira, também conhecido como Sagara, é um dos formadores de
mindfulness mais experientes em Portugal (Fotografia: Gonçalo
Villaverde/Global Imagens).
«No fundo, trata-se de mudar a perceção mental do sofrimento», esclarece Sagara. Ao usar a atenção plena para controlar a dor, procura-se que a pessoa aprenda a conhecer a sensação e a assista objetivamente. Também no ayurveda, segundo o médico Deepak Chopra, o requisito mais importante para a cura da desordem orgânica é «um nível profundo e completo de relaxamento» que expõe a mente a um estado de consciência ilimitado (prestando atenção, não se perdem oportunidades). Estudos nas áreas da neuroplasticidade e epigenética [modificações do genoma herdadas pelas gerações seguintes sem alterar a sequência de ADN] mostram ainda que meditar altera a estrutura de certas zonas do cérebro e chega a modificar a expressão dos nossos genes, fortalecendo o sistema imunitário e desacelerando o envelhecimento.
Para Luís Alves, especialista em sucesso e lei da atração, compreender que a mente está acima da matéria não tem nada de místico. «Somos seres energéticos, atraímos aquilo em que pensamos», diz o coach, formado em programação neurolinguística pela American Union of Neuro-Linguistic Programming. Quando Rhonda Byrne escreveu o guião do filme O Segredo (2006) e lançou o livro homónimo no ano seguinte – o mais vendido em todo o mundo na área da não-ficção –, percebeu que aplicava há muito a lei da atração. «Ao focarmo-nos nos contornos positivos da vida, várias conexões neurais são ativadas no cérebro. Pensamentos negativos emitem vibrações de baixa frequência, pensamentos positivos de alta. Quanto mais alta for a nossa frequência, maior a resposta do organismo ao que a mente determina.»
O poder da mente não se vê nem se toca, mas sente-se.Pela parte que lhe toca, acredita que «tudo o que é relevante para a vida humana é administrado, programado e reprogramado na mente». Como se o cérebro fosse o computador e a mente os programas instalados, explicou a Maria Antónia Cruccolini, de 56 anos, quando ela lhe pediu ajuda numa fase particularmente conturbada. «Há alturas em que uma pessoa descamba no caos, pelas mais variadas razões, e foi graças ao Luís que descobri que é sempre possível elevar ou remover limites. Aquilo em que eu consigo acreditar, eu consigo realizar», garante a empresária, orgulhosa de ter a mente a trabalhar a seu favor. «Este poder não se vê nem se toca, mas sente-se. Tornei-me mais ativa, focada e intuitiva, motivada e rigorosa no trabalho. Sinto-me uma mulher mais valorizada no geral, que vive de forma intensa.»
Luís Alves reconhece que faz tudo parte da lei da atração: após decidir o que se quer alcançar, há que visualizar a meta ao pormenor e tê-la sempre presente, nutrindo-a com as emoções de alegria/aceitação/gratidão de quem sabe que terá o que deseja. Assim treinava também o ex-nadador Michael Phelps, maior atleta olímpico da história com 28 medalhas: vendo um vídeo da que seria a prova perfeita, antes de dormir e ao acordar, até tê-la inscrita na mente. O génio da física Albert Einstein era outro que visualizava as teorias na mente antes de convertê-las em linguagem matemática. «Não há sonhos impossíveis para aqueles que creem que o poder de realizar algo reside no interior de cada ser humano», dizia. «Sempre que alguém descobre esse poder, algo antes considerado impossível torna-se realidade.»
Recentemente, uma equipa de investigadores chineses da Universidade de Nankai desenvolveu o primeiro carro conduzido através da mente (mediante um dispositivo que capta as correntes elétricas do cérebro e os traduz em comandos). Usando o mesmo sistema, o grupo tecnológico Tekever e a Fundação Champalimaud puseram um drone no ar. Levantar dinheiro no multibanco, fazer chamadas telefónicas ou controlar tráfego aéreo são outras atividades que em breve poderão ser feitas apenas com a mente. «Se aceitamos que estar apaixonados nos faz bater o coração com mais força, porquê rejeitar a força de uma mente fértil?», questiona Luís Alves. A partir do momento em que ela dirige carros e aviões, mais facilmente é capaz de pilotar o nosso próprio destino.
Fonte: Magazine
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