quarta-feira, 8 de abril de 2020

Dor persistente após o câncer de mama: não ignore

Com o aumento dos índices de sobrevida de pacientes com câncer de mama, cada vez mais pessoas convive com as repercussões em longo prazo do tratamento de câncer. Um desfecho bastante comum, embora subestimado e pouco estudado, é a dor persistente.
Um novo estudo, publicado on-line em 24 de novembro no periódico European Journal of Cancer Care, resume informações de quatro estudos qualitativos anteriores sobre esse tópico, e identifica seis temas que revelam aos médicos os problemas enfrentados por suas pacientes.
Os temas são os seguintes: o caráter inesperado da dor e a falta de apoio diante do quadro; o impacto da dor persistente na capacidade funcional e nas atividades cotidianas; estratégias de enfrentamento; o grande leque de emoções vivenciadas, principalmente estoicismo; e a dificuldade de descrever a dor, pelo menos no início. A princípio, as participantes descreveram a dor como "espinhosa", uma sensação de "ter sido esmagada por um rolo compressor" e sensação de "estar sendo dilacerada em pedaços". Com o tempo, muitas identificaram sua experiência como dor, afirmaram os autores do estudo liderado pela Dra. Julie Armoogum da University of the West of England, no Reino Unido.
Até 30% das mulheres com câncer de mama têm dor persistente, disseram os autores.
A Dra. Liz Ball, que não participou do estudo, pode confirmar esses achados.
Ex-cirurgiã mastologista no Reino Unido, aos 40 anos a Dra. Liz foi diagnosticada com câncer de mama em estágio III, a médica, que é conhecida nas redes sociais e na vida em geral por seu nome de casada, Liz O'Riordan, disse que a dor muitas vezes é negligenciada ou minimizada.
"Eu não queria incomodar ninguém com a dor. Você sente que é algo com que tem de conviver, mas era muito difícil suportar", disse a médica ao Medscape por e-mail.
Quando seu câncer foi diagnosticado, em 2015, a Dra. Liz foi submetida a uma mastectomia com preservação do mamilo seguida de implante mamário e reconstrução da mama, biópsia de linfonodo sentinela, esvaziamento axilar e radioterapia da parede torácica.
Mais tarde, ela teve síndrome álgica pós-mastectomia, com dor em queimação, dor neural e espasmos que pareciam choques elétricos, tão fortes que a faziam praguejar. A Dra. Liz também teve uma grave síndrome da rede axilar –formação de tecido cicatricial, cuja sensação é a de um cordão esticado que desce pela parte medial do braço, desde a axila, e às vezes se estende até a palma da mão.
"Parecia um retesamento doloroso ao movimento, como alongar os músculos isquiotibiais após uma corrida", contou a médica.
Apesar da fisioterapia, a síndrome da rede axilar persistiu e causou capsulite adesiva, conhecida popularmente como ombro congelado. Uma nova cirurgia recuperou parte dos movimentos do ombro.
Em 2018, a Dra. Liz teve recidiva do câncer e precisou remover o implante mamário e fazer mais sessões de radioterapia. Naquela altura, a dor se tornara crônica e a médica tinha perdido definitivamente a amplitude total de movimento do ombro.
Isso a levou a tomar uma decisão difícil: abandonar a carreira de cirurgiã.
Entretanto, a Dra. Liz continua a ajudar outras pacientes de câncer. Atualmente, ela é embaixadora voluntária da Working With Cancer, organização sem fins lucrativos do Reino Unido que se dedica a ajudar pessoas com câncer a voltar ao trabalho. Além disso, é palestrante do TEDx e autora do livro The Complete Guide to Breast Cancer.
Mas ela ainda sente dor. Para tratar, tentou nortriptilina e gabapentina, mas parou de tomar esses medicamentos porque os efeitos colaterais provocavam uma sensação tão grande de "ressaca" que ela não conseguia se concentrar. Mais tarde, experimentou injeções de botox, o que apresentou alguma melhora. Hoje, a Dra. Liz convive diariamente com a dor neuropática, além da dor causada pela síndrome da rede axilar.
Câncer e dor sempre andam juntos
Os quatro estudos incluídos no novo artigo foram publicados em inglês entre 2007 e 2019. Três foram feitos na Escandinávia e um foi feito na França. Juntos, abrangeram a experiência de 52 sobreviventes de câncer de mama dos 26 aos 83 anos de idade. As participantes do estudo descreveram sua experiência com dor persistente em entrevistas de 30 minutos a 4 horas de duração.
Um ponto em comum nos quatro estudos foi o fato de a dor persistente andar de mãos dadas com o câncer, tanto de maneira positiva como negativa. A dor levou algumas mulheres a questionarem se o câncer havia voltado. Para algumas servia como um lembrete do diagnóstico potencialmente fatal de câncer; para outras, a dor era reconfortante, uma indicação de que o tratamento tinha sido eficaz.
As mulheres também referiram falta de reconhecimento ou apoio para controlar a dor, como no caso da Dra. Liz.
"Como cirurgiã, eu não entendia até que ponto a dor podia ser um problema. Levei muito tempo para levantar essa questão, pois eu achava que não havia nada a ser feito", disse a Dra. Liz.
Para algumas mulheres, isso causou um sentimento de abandono, como se tivessem de lidar com a dor sozinhas. Pelo menos uma paciente foi encaminhada para um psiquiatra para o tratamento da dor.
"Eu me senti decepcionada, abandonada e completamente sozinha. Não abandonada por meu companheiro, mas pela vida...", disse uma sobrevivente.
Assim como a Dra. Liz, as outras mulheres disseram que a dor as impedia de trabalhar e interferia nas suas atividades físicas e sociais. Algumas não conseguiam mais fazer os trabalhos domésticos, como limpar a casa, passar roupa ou lavar as vidraças. Outras não conseguiam mais dirigir por longas distâncias. Para aliviar a dor, elas alteraram suas atividades diárias, por exemplo, fazendo pausas ou mudando a maneira de realizar as tarefas domésticas.
Algumas encontraram consolo ao se comparar com pessoas que consideravam menos afortunadas, como os cadeirantes. Porém, essas estratégias de enfrentamento, quando empregadas pelas próprias sobreviventes ou pelos profissionais de saúde, podem ter levado algumas pessoas a desprezar a dor.
"Um médico me disse: 'Se a senhora sentir dor, faça uma visitinha ao pronto-socorro e vai melhorar na hora. Veja algumas crianças lá. A senhora vai parar de reclamar o tempo todo'. Fiquei tão chocada que nunca mais voltei àquele hospital", disse a mulher.
Esses resultados ressaltam a importância do conhecimento acerca da dor persistente que pode ocorrer após o tratamento do câncer – tanto para informar as pacientes sobre esse risco como para ajudá-las a controlar a dor, se for o caso, de acordo com Dra. Julie e colaboradores.
"Os profissionais de saúde que tratam de sobreviventes de câncer com dor persistente precisam estar cientes do grande impacto que a doença pode ter na intensidade emocional e no sofrimento das pacientes", escreveram os pesquisadores.
Da perspectiva de uma cirurgiã, a Dra. Liz admitiu que, quando falava sobre o risco de dor persistente com suas pacientes, dava poucos detalhes. "Nem todas as pacientes evoluem com dor, e é difícil prever quando isso vai acontecer", disse a médica.
É difícil fazer com que as mulheres levem em consideração uma dor permanente que pode reduzir a sua qualidade de vida, disse Dra. Liz, "quando elas já estão enfrentando um diagnóstico de câncer e a perda de uma mama, sua imagem corporal e sua sexualidade".
Mas a médica também destacou que é importante conscientizar os profissionais de saúde e as pacientes sobre a possibilidade de dor persistente após o câncer, bem como disponibilizar métodos para o tratamento dessa dor, típicos e atípicos, para essas pacientes.
"Na primeira consulta no pós-operatório, os cirurgiões, enfermeiros e oncologistas poderiam avisar as mulheres sobre a possibilidade de sentirem dor e orientá-las sobre que fazer nesse caso", disse a Dra. Liz.
"É preciso informar os profissionais de saúde que a dor pode ser incapacitante, e também dizer às pacientes que a dor, infelizmente, pode ser um efeito colateral normal do tratamento."
Os autores do estudo e a Dra. Liz O'Riordan informaram não ter conflitos de interesses.
Eur J Cancer Care. Publicado on-line em 24 de novembro de 2019. Abstract
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Fonte: Medscape


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