sexta-feira, 2 de março de 2018

O sentido da morte é a vida


Morreu Selene, prima da minha prima Eliane, que me conta no WhatsApp. "Como assim", retruco surpreso, lembrando da mulher linda, inteligente, engraçada, que me embasbacava adolescente, eu 14 anos, ela 21, numa temporada em Ubatuba, a casa cheia de parentes, 1980.

Câncer, explica Eliane. Matou em um ano. "Ela sofreu pra caramba, tadinha, daquele jeito animado dela". A notícia materializa a jovem Selene na minha memória. Nos vimos uma vez por década desde então, mas nesse momento, para mim, aquele verão foi ontem.
"Que coisa sem sentido", respondo, e emendo, "bem, sentido não tem muito na vida". Eliane provoca, "Melhor para quem tem... fé." Sabe que não tenho nenhuma, e ela tem de sobra, minha prima também linda, inteligente, engraçada - e católica fervorosa, catequista. Respondo "Com certeza".

Médio. Na teoria a fé ajuda muito quando uma pessoa querida se vai. Porque você acredita que a pessoa foi para um lugar melhor, e um belo dia vocês vão se reencontrar pela eternidade. Na prática, todo velório vejo pessoas de muita fé chorando como se aquela morte fosse para sempre. Não entendo isso. Não entendo muita coisa.

Não entendo porque quando morreu um grande amigo anos atrás, Mauro Martinez dos Prazeres, também homem de fé, presbiteriano, desejei que ele estivesse certo e eu, errado, mesmo sabendo que não. Torci por uns minutos para que ele estivesse em alguma dimensão paralela, incompreensível, sobrenatural. Um mundo de sonho.

Mauro, aliás, me apresentou Neil Gaiman, na primeira vez que ele veio ao Brasil. Me lembro de dizer para Mauro que a Morte, personagem dos gibis de Gaiman, fazia muito mais sentido para mim que qualquer conceito de vida eterna. "Prefiro bater as botas e ter uma gata gótica me esperando do que alguém para me julgar".

O tempo fez Mauro voltar a ser presente na minha vida. De vez em quando leio uma frase, vejo um filme (o novo do Homem-Aranha!), e parece que vejo Mauro do meu lado, ouço sua voz, sei exatamente o que ele diria. Meu pai, cuja fé é muito pessoal e um pouco misteriosa, costuma dizer que sua vida é cheia de fantasmas queridos, gente que se foi mas continua presente no seu cotidiano. Os anos vão me ensinando o que ele quer dizer.

O destino de Selene e a troca de mensagens com Eliane me lembrou que para quem tem fé, o sentido da vida é a morte. O que fazemos na Terra é só um prólogo, uma preparação, quem sabe um teste para o que vem depois da morte. Para nós que não temos fé, o sentido da morte é a vida. É minha convicção profunda de que o fim será definitivo que torna a vida tão preciosa, sua fruição premente, seu significado sagrado.

Fonte: R7 / André Forastieri

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