segunda-feira, 8 de março de 2021

Variante P.1: maior transmissibilidade e mais escape a anticorpos

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Por: Roxana Tabakman

A corrida contra o tempo para compreender mais e melhor a variante de atenção (VOC, do inglês, variant oconcern) P.1 – inicialmente identificada em turistas japoneses vindos de Manaus e hoje já detectada em vários estados do Brasil e em quase 20 países – começou a dar frutos.

Um estudo em pre-print[1] (ainda não revisado por pares) realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia indica que, em adultos infectados pela variante P.1, a carga viral seria 10 vezes maior do que a detectada em isolados de outras variantes do SARS-CoV-2. As amostras P.1 e não P.1 foram coletadas do trato respiratório superior e no mesmo tempo após o aparecimento dos sintomas.

"A pesquisa foi feita para entender melhor o que levou a variante P.1 a este sucesso na disseminação. A comparação da quantidade de vírus nas amostras dos pacientes infectados pela P.1 em relação aos infectados por outras variantes mostra claramente que a infecção por P.1 gera maior carga viral em adultos", disse ao Medscape o Dr. Felipe Naveca, vice-diretor de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz Amazonas e o pesquisador que liderou o estudo.

"Foi um dado surpreendente. Consideramos apenas as amostras testadas pelo mesmo kit de extração, pelo mesmo protocolo de PCR em tempo real e conseguimos mostrar essa diferença entre os dois grupos com quase 500 amostras. Para verificar se podia ter algum viés relacionado a sexo e idade, separamos as amostras em grupos de 18 a 59 anos por sexo. A diferença se manteve estatisticamente significativa, um P muito próximo a 0,001", afirmou o Dr. Felipe.

A carga viral nas amostras não foi medida de forma direta. Os pesquisadores obtiveram uma estimativa usando threshold cycle (ou Ct) – número de ciclos de amplificação do teste por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR, sigla do inglês, Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction) necessários para a detecção do RNA viral. Quanto menor o Ct, maior a carga viral. O que se observou foi que a mediana de valor de Ct nas amostras P.1 foi menor do que nas amostras não P.1, indicando uma carga viral quase 10 vezes maior.

Se em adultos houve grande diferença entre as cargas virais de amostras P.1 e não P.1, em idosos o significado estatístico dessa diferença se mostrou pequeno. Os autores atribuíram isso a limitações na amostragem, ou a causas biológicas – indivíduos nessa faixa etária podem ser igualmente vulneráveis a todas as linhagens do vírus.

Para os cientistas da Fiocruz, os dados sugerem que adultos infectados pela variante P.1 são mais infecciosos do que aqueles que carregam outras variantes. Com mais carga viral nas vias aéreas superiores, maior a chance de expelir mais vírus e infectar pessoas próximas.

Em um segundo estudo, [2] divulgado na mesma semana e também em pre-print, um time de pesquisadores liderados pela Profa. Ester Sabino, da Universidade de São Paulo (USP), também identificou uma carga viral maior em amostras da variante P.1. Os resultados, no entanto, não foram estatisticamente significativos. Uma causa, aventam os autores, poderia ser o tamanho limitado da amostra. 

"Embora existam padrões interessantes, ainda não podemos concluir nada decisivo e não podemos determinar se a infecção pela variante P.1 está definitivamente associada ao aumento da carga viral ou a uma maior duração da infecção."

Consultado pelo Medscape, o infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Dr. Julival Ribeiro – que não participou das pesquisas – salientou que "o aumento da carga viral amplia a possibilidade de maior transmissão do coronavírus, mas ter uma maior carga viral não significa que esses pacientes terão doença mais grave".

"Ainda precisamos de mais estudos para ver se essa variante realmente altera a condição clínica do paciente."

Origem do caos?

A equipe de Fiocruz Amazonas sequenciou 250 genomas do SARS-CoV-2 ao longo de quase um ano e com os dados tenta aprender mais sobre o vírus. A amostragem cobriu o que eles chamaram de primeiro pico da epidemia, em abril de 2020, e um segundo pico, entre dezembro de 2020 e o início de 2021.

"Concluímos agora quase um ano de acompanhamento, e nossos resultados mostraram que ao longo desse período predominaram três linhagens. A D.1.195 foi responsável pelo primeiro pico, gerando a primeira situação caótica no Amazonas. Quando já estávamos saindo daquela fase ruim começou a ser detectada a linhagem B.1.28, que que já circulava em alguns pontos do país e ficou bastante tempo circulando no Amazonas. A partir de um grupo dessas linhagens surgiu a P.1, a variante de atenção brasileira. A amostra mais antiga encontrada foi de 4 de dezembro 2020, mas os dados de filogenia estimam a origem entre meados de novembro e a primeira semana de dezembro", relatou o Dr. Felipe.

Além de mais evidências da presença de mutações com desfechos clínicos potencialmente relevantes, a análise mais aprofundada do comportamento da P.1 está indicando que cada substituição de predominância de infecção por uma nova linhagem coincide com queda do distanciamento social no Amazonas. De acordo com os autores, a falta desta e de outras medidas mitigadoras do contágio provavelmente favoreceram a transmissão precoce da P.1, enquanto a alta transmissibilidade desta variante alimentou ainda mais o rápido aumento nos casos de infecção por SARS-CoV-2 e de internações por covid-19 observados em Manaus após seu surgimento.

Se a primeira onda foi grave, a segunda, que iniciou em dezembro de 2020, coincidindo com o surgimento da P.1, foi ainda pior: a variante levou menos de dois meses para se tornar a linhagem predominante e se mostrou quase duas vezes mais transmissível do que a sua linhagem parental. Os dados também indicam que as medidas implementadas em Manaus desde o final de dezembro foram eficazes para reduzir a taxa de transmissão (Rt) de 2,6 para 1,2, mas não conseguiram controlar a epidemia, permitindo a continuação da propagação da P.1 no estado do Amazonas.

Escape da imunidade

Os achados do estudo conduzido pela Profa. Ester e por pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde) sugerem que a variante P.1 é provavelmente mais transmissível tem maior capacidade de escapar dos anticorpos formados após infecção por SARS-CoV-2. Usando um modelo dinâmico que integra dados genômicos e de mortalidade, o grupo estimou que a variante P.1 pode ser de 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível e ter uma probabilidade de 25% a 61% maior de escapar da imunidade protetora induzida por infecção anterior com linhagens não-P.1. Os pesquisadores alertam, no entanto, que ainda será preciso obter dados mais detalhados para identificar com certeza o que e o quanto a P.1 tem de pior (ou melhor) do ponto de vista epidemiológico em comparação com outras variantes do novo coronavírus.

"Agora devem ser feitos outros estudos em outras regiões onde a epidemia por P.1 parece estar começando. O estudo ideal para comprovar esses achados seriam grandes coortes de pessoas sendo seguidas com coleta sistemática", disse ao Medscape a Dra. Ester.

Próximos passos

Os pesquisadores da Fiocruz Amazonas temem agora uma potencial disseminação de outras variantes de atenção Estado e alertam para a importância de um sistema de vigilância molecular contínua para rastrear em tempo real a diversidade viral no Brasil. Impulsionada por fatores intrínsecos do vírus, mas também por características do ambiente em que ele circula, a emergência de novas linhagens pode se tornar um fenômeno recorrente na evolução local do SARS-CoV-2.

Os pesquisadores do Cadde valorizam o compartilhamento precoce de dados vigilância genômica por equipes em todo o mundo, o que levou a uma rápida detecção e caracterização da P.1, mas afirmam que a vigilância genômica existente hoje ainda é insuficiente para determinar a extensão da disseminação da P.1 fora do Brasil e para detectar outras variantes de atenção. De mesma forma, estudos para avaliar a eficácia das vacinas no mundo real em resposta ao P.1 são urgentes. [2]

Até que o acesso a vacinas eficazes esteja disponível a todos, os pesquisadores dos dois estudos concordam que as intervenções não farmacêuticas devem seguir desempenhando um papel importante na redução do surgimento de novas variantes.

Os Drs. Felipe Naveca, Ester Sabino e Julival Ribeiro não têm conflitos de interesses relevantes ao tema.

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Fonte: Medscape

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