quinta-feira, 4 de julho de 2019

Pablo Neruda

SONETO XVII
(...)
Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.
Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te diretamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,
a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono.


TU ERAS TAMBÉM UMA PEQUENA FOLHA
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


O TEU RISO
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.
(...)
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
(...)
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.


QUERO APENAS CINCO COISAS
Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


A NOITE NA ILHA
(...)
O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
— pão, vinho, amor e cólera —
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.


A CANÇÃO DESESPERADA
(...)
Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh porão de escombros, feroz caverna de náufragos!
Em ti se acumularam as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros do canto.
Tudo engoliste, como a distância.
Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, me acolheram os teus braços.
Era a sede e a fome, e tu foste à fruta.
Era a dor e as ruínas, e tu foste o milagre.
Ah mulher, não sei como me pudeste conter
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!


Se cada dia cai
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.


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