sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Já passou da hora de falar de câncer sem medo e preconceito


Que tal essa manchete???

Sim, ela é real e esteve na capa do portal UOL dia desses. Pode ser que você tenha
achado um absurdo e muita gente veio me questionar "porque você não entrou em contato com a jornalista pra mudar isso?" Simples, porque eu achei essa manchete uma triste oportunidade para que todos pudessem refletir: Porque será que é tão fácil ser cruel quando se fala de câncer?

Sejamos francos, se não tivesse a palavra "câncer" no título provavelmente não ganharia destaque, milhares e milhares de compartilhamentos e, inclusive, nem seria uma história a ser contada em um portal tão gigante como o UOL. Mas nós (eu e Renata) temos câncer metastático, somos jovens e, estranhamente (para a maioria), estamos felizes e nos divertindo mesmo diante daquilo que muitos consideram uma sentença de morte (!)... um prato cheio para qualquer jornalista e dramaturgo de plantão.

Nos filmes, quando querem matar alguém lentamente e com muito drama envolvido (tirando o Titanic) é de câncer que o personagem morre. As novelas também acham lindo uma ceninha de cabeça raspada. Os programas de TV da tarde adoram especular sobre os artistas doentes e quando descobrem que é câncer o diagnóstico vixiiiii - sempre fico na dúvida se estão torcendo pra pessoa viver ou morrer logo e ter mais assunto.


E daí vem esse triste cenário.

Hoje, as pessoas se acostumaram a pensar que só se morre de câncer quando, na
verdade, ele representa apenas 17% dos óbitos por doença, o campeão disparado são as doenças que envolvem o aparelho circulatório (31%).

Nessa manchete, a repórter falou a verdade nua e crua mas do jeitinho sensacionalista que o povo gosta, o que garantiu muitos acessos à matéria. SIM, podemos viver 5 ou 50 anos.

SIM, temos câncer. SIM, estamos curtindo o tempo que nos resta. Agora me diga você, não fosse o câncer, esse título poderia ser a chamada para a história de qualquer ser humano desse planeta que gosta de curtir a vida. NINGUÉM sabe se tem 5 minutos, 5 horas, 5 dias, 5 anos... E a partir do nosso nascimento estamos vivendo o "tempo que resta".

Porque será que as pessoas gostam tanto de ser crueis com o câncer? Porque será que ele gera medo e ao mesmo tempo curiosidade? Porque será que ele aflora solidariedade e um desejo de velar em vida quem está na luta? Porque será que ninguém pensa no quanto isso deixa nossa batalha muito mais difícil e apavorante? Porque será que é mais fácil dramatizar a doença do que tratá-la com leveza? Porque será que quem morre em decorrência do câncer "perdeu a batalha" sendo que a vencemos diariamente de cabeça erguida? Porque será que se o título fosse "Amigas planejam curtir a vida comendo e viajando" não teria tanto impacto quanto falar do nosso diagnóstico associado ao fim da nossa vida?

É esse preconceito que enfrento diariamente na minha vida de paciente oncológica.
Preconceito que infelizmente fere nossa família e nos assusta. Preconceito que não deveria existir e você não deveria fazer parte da massa que o alimenta.

Câncer é real, é uma doença aleatória que não escolhe as vítimas e pode acontecer com qualquer um a qualquer momento. Ele também não é sentença de morte. É mais fácil você ter um treco do coração do que ter um siricutido inesperado causado por um câncer que na maioria das vezes tem tratamento e cura.

Bom, apesar do título, a jornalista foi absolutamente fiel na matéria e nós adoramos ver nossa história, que de triste e dramática não tem nada, contada. Foram muitos, muitos, muitos comentários… alguns nos divertiram, outros nos emocionaram e alguns até nos assustaram. As pessoas em geral são solidárias e fizeram questão de incentivar nossa luta e vontade de curtir a vida e seria maravilhoso que essa energia positiva fosse a base ao falar de câncer. Imagina como seria diferente se tratássemos essa doença de forma mais leve? Imagina como isso evitaria medo de exames, diagnóstico e tratamento? Imagina como os pacientes teriam mais qualidade de vida, força e esperança? Pense sobre isso!

Pra finalizar, alguns comentários que resumem as mais de 42 mil interações nas mídias sociais que essa matéria recebeu:



Vida com significado não tem a ver com doença… é disso que estamos falando!
Obrigada pelo "gatas” uhuuuu (me liga)

                                  Pois é… ninguém sabe quanto tempo resta....

        Ué, acho que Jesus tá feliz em nos ver curtindo a vida que nos deu de presente..

                                      Oooooopaaaaaaaaaaaa Hahahahaha

                          Sabe o que é pior nessa mensagem??? Ele tem razão!

O Banco do Brasil ligou pra Renata (a amiga que está comigo na foto) cancelando um seguro após essa matéria... Ou seja, a gente não serve mais. Provavelmente os demais clientes detém o segredo da vida eterna e estão imunes à qualquer doença....

Meu pedido hoje é: 

  • Aprenda a falar com mais naturalidade sobre câncer (como acontece com as demais doenças).
  • Aprenda a ver os pacientes oncológicos com mais empatia.
  • Pare de incentivar o discurso da sentença de morte.
  • Nunca mais diga que alguém perdeu para a doença.
  • Câncer não é pra ter medo, é pra enfrentar.
  • Não é "aquela doença", nem "probleminha". É câncer...
  • Vamos aprender a falar sobre ele sem medo e preconceito???

E sobre "o tempo de resta"... bom, optamos por viver intensamente cada dia como se fosse o último, porque quando o último dia chegar (ele chega para todos) seremos gratas por ter vivido uma história que não foi fácil, mas com certeza foi cheia de entrega, emoção, amor e verdade!

Curta o seu HOJE!

Beijos,
AnaMi


Fonte: Oncoguia

As informações e sugestões contidas neste blog são meramente informativas e não devem substituir consultas com médicos especialistas.

É muito importante (sempre) procurar mais informações sobre os assuntos 

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