sábado, 16 de junho de 2018

Terapia de aceitação e compromisso: princípios e aplicações


“Preciso de motivação para seguir trabalhando”, “Sem amor não posso seguir em frente” ou “Tenho que garantir que conseguirei o que quero para poder seguir em frente”. São frases familiares que todos nós falamos em alguma ocasião e que indicam um profundo grau de mal-estar. A terapia de aceitação e compromisso pode nos ajudar.
As expressões anteriores são prejudiciais e não ajudam a solucionar nossos problemas: são indicativos de que existe um requisito e de que sem cumpri-lo, não poderemos seguir em frente. Estamos dando um valor causal explícito ao conteúdo do pensamento e do sentimento, além de estar indicando que alguns conteúdos ou eventos privados são negativos.

“Lembre-se daqueles momentos nos quais seu convencimento de que aquela situação carecia de todo o sentido foi o que lhe permitiu vivê-la livre, intensamente, e aprender com a experiência…”

– L. Wittgenstein –

A terapia de aceitação e compromisso (Acceptance and Commitment Therapy, ACT) não é uma nova ou recente tecnologia, mesmo que se trate de uma terapia de terceira geração. Ela se desenvolveu ao longo de quase vinte e cinco anos, ainda que sua popularidade seja recente.
A terapia de aceitação e compromisso é uma forma de psicoterapia experimental comportamental e cognitiva baseada na teoria do marco relacional da linguagem e da cognição humana. Representa uma perspectiva sobre a psicopatologia que enfatiza o papel da esquiva experimental, a fusão cognitiva, a ausência ou enfraquecimento dos valores e da rigidez ou ineficácia comportamental resultantes na aparição e no curso desta..

De acordo com a terapia de aceitação e compromisso, um dos problemas do paciente é que confunde a solução com o problema. A pessoa afetada segue um padrão de vida no qual evita deliberadamente os eventos privados (pensamentos e sensações) com funções verbais aversivas (catalogadas como sofrimento, mal-estar, ansiedade,depressão, etc.) e assim somente consegue a amplificação dos sintomas.
O que significa tudo isso? O leitor familiarizado com temas de psicologia compreenderá estes termos sem problemas. No entanto, pode parecer complicado para o restante das pessoas. Vamos tentar esclarecer os termos na medida do possível.

Princípios da terapia da aceitação e compromisso
Esquiva experimental
A dor é uma parte inseparável da vida humana, no entanto o sofrimento é “outra música”. Sentir-nos mal é um estado que qualquer um quer evitar ou, no caso de já estar nele, escapar. Assim, nos empenhamos a fundo para anular as emoções e os sentimentos negativos o quanto antes.
Todos tendemos a evitar o sofrimento em maior ou menor medida (salvo que existam recompensas secundárias muito poderosas: alguém poderia querer estar “um pouco doente” para receber atenção), e isso é algo lógico e desejável. No entanto, existem ocasiões nas quais o preço a se pagar para conseguir, por nos equivocarmos na forma de fazer, se torna muito alto. 
O importante é “perceber” quando o escape do sofrimento não é uma solução válida. Uma vez feito isso, estaremos à disposição para aprender a fazer uma “lacuna psicológica” para as reações privadas com aparência negativas, se isso conduz ao que valorizamos na vida. Em outras palavras, uma vez que entendemos que não adianta nada seguir na vida dedicando todos os nossos recursos para evitar o sofrimento (o que não quer dizer que vamos buscá-lo), poderemos aceitá-lo quando o sentirmos.

“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle e outras não. Somente depois de ter enfrentado esta regra fundamental e ter aprendido a distinguir entre o que podemos controlar e o que não, será possível ter a tranquilidade interior e a eficácia exterior”.

– Epíteto –

Fusão cognitiva
A fusão cognitiva é o conceito mais abstrato que vamos tratar neste artigo relacionado com a terapia de aceitação e compromisso. Para entendê-la podemos pensar em nossa mente (fio do pensamento) como um rádio. Um rádio que pode nos dizer como nos sentimos ou se é suficiente o que fazemos ou não, para conseguir um determinado objetivo. Também pode prejudicar nossa autoestima enunciando que não somos bons o suficiente para alguém amar. Muitos de nossos rádios mandam este tipo de mensagem.
O problema aparece quando “fundimos” este tipo de mensagem com a realidade, quando nos damos este status, quando pensamos que o que nosso rádio diz é certo. Daí a importância do meta-pensamento, de pensar em como pensamos e ajustá-lo, de entender que isso que nossa voz interior nos diz não deixa de ser uma voz, como as muitas que existem em um debate radiofônico.
Por outro lado, este rádio pode ser útil para nós no sentido de que pode nos dar informação (no rádio não só existem debates de opinião, também existem informativos: em nossa mente acontece o mesmo). Pode nos dizer se vai fazer calor, inclusive nos dar sua opinião sobre se vale a pena sair ou não com esse calor, mas não deixa de ser uma recomendação, que podemos seguir ou não. Este rádio, voltando para a psicologia, pode nos dizer que em uma festa haverá uma tensão, inclusive nos aconselhar a não ir, mas somos nós que decidimos no final. Neste sentido, na terapia é muito importante separar a fusão que se produz entre o que diz o rádio e nossas chances de ação.

Os valores

A terapia de aceitação e compromisso outorga uma especial importância aos valores das pessoas. O fato de que uma pessoa avalia, por exemplo, um determinado objeto como feio ou bonito é, em sua maior parte, questão de antecedentes históricos dessa pessoa na cultura correspondente.
Percebemos mudanças nessas avaliações: tanto através de diferentes culturas como ao longo do tempo. É bom começar a perceber que muitas de nossas respostas qualificadoras (feio/bonito, bom/ruim, divertido/chato, por ex.) poderiam ter sido completamente diferentes se tivéssemos nascido em outro tempo ou em outro lugar. O mesmo acontece com os valores e especialmente quando colocamos as lupa ao redor de seus limites ou encaramos dilemas morais.

Rigidez comportamental

Este termo é mais simples de definir. Consiste em realizar sempre os mesmos atos por não dispor de um repertório mais amplo. Ou seja, muitas vezes damos voltas e voltas sobre o mesmo problema e nunca chegamos a uma solução eficaz. De acordo com a terapia de aceitação e compromisso, isso se deve ao fato de não dispormos de mais “soluções” para enfrentar os problemas e de que tampouco as buscamos.

Os transtornos que aparecem por tentar evitar o sofrimento

Anteriormente definimos o que era a esquiva experimental. São muitas as pessoas que tentam a esquiva diante do que lhes produz mal-estar de uma forma crônica e generalizada e, em consequência, vivem uma vida muito limitada. Este padrão termina por aumentar o sofrimento em muitas facetas da vida.
Estas pessoas vivem envoltas por este padrão de evitação com um custo pessoal muito elevado, por exemplo, impedindo que alcancem muitos de seus objetivos. Nestas circunstâncias falamos do transtorno de evitação experimental.
A cultura ocidental e seus principais transmissores, as famílias, animam a realização de eventos privados (pensamentos, sentimentos ou sensações) “corretos” ou “apropriados” para viver. Por exemplo, encoraja-se que para poder funcionar bem e ter sucesso é necessário um estado motivacional ou emocional determinado, ou um modo de pensar sobre si mesmo.
O problema chega quando a experiência da pessoa é de sucesso e mesmo assim ela tenta buscar estes estados privados que lhe ensinaram que eram determinantes para conseguir o que já havia obtido. Para colocar um exemplo um pouco extremo, imaginemos um homem que ganhou na loteria. Desde pequeno lhe ensinaram que o dinheiro vem do trabalho e que se quiser ser rico, terá que trabalhar muito. Bom, apesar de ser rico, ele segue se matando todos os dias para tentar cumprir com a primeira parte da associação.
Assim, é como se para muitos o sucesso, o que buscam, somente fosse válido se antes tivesse existido o sofrimento. De modo que quando o alcançam, o buscam ou seguem buscando. A evitação, pelo contrário, surgiria em outro tipo de círculo. Neste caso a pessoa queria ter sucesso, mas ganhou na loteria, no entanto para ela o trabalho representa um sofrimento do qual quer escapar, de modo que renuncia ao sucesso porque entende que trabalhando (sofrendo) é a única maneira de chegar até ele. Assim, se instalaria outro sofrimento: o de não ter o que quer.

Na verdade a solução é o problema
No entanto, tristemente, os fatos mostram que o resultado obtido é contrário ao propósito que a pessoa persegue: por mais esforço que faça para evitar o sofrimento, o caso é que segue sofrendo. Logo, este padrão de evitação se torna paradoxal.
Dito isso, estaríamos diante de uma solução que, na verdade, é o problema. Esta é a verdadeira questão: um padrão de vida que inclui fugir deliberadamente do mal-estar, do sofrimento e da ansiedade e que somente consegue que apareça o mal-estar, o sofrimento e a ansiedade.

“O amor implica sofrimento porque podemos perdê-lo, mas se negar ao amor para evitar o sofrimento não soluciona o problema, já que se sofre por não tê-lo. Então, se a felicidade é o amor e o amor é sofrimento, então digo, a felicidade também é sofrimento. Os dois lados do amor…”

– W. Allen –

O transtorno de evitação experimental aparece quando uma pessoa não está disposta a estabelecer contato com suas experiências privadas de valência negativa (sejam estas estados ou sensações do corpo, pensamentos ou lembranças). Um exemplo concreto de experiência privada negativa podem ser as emoções “indesejáveis”, como o aborrecimento ou a tristeza.
Assim, no transtorno de evitação experimental, a pessoa tenta alterar a origem, a forma ou frequência de tais experiências para que estas não aconteçam. Por exemplo, imagine a pessoa que se encontra em um estado emocional no qual predomina a tristeza. Uma atitude corrente nesta situação é tratar a tristeza como uma mosca: tentar eliminá-la com tapas. Diante desta estratégia tão impulsiva e desacertada, a mosca seguirá lá; com a tristeza ocorrerá o mesmo.
Neste sentido, nos damos permissão para nos sentirmos assim. Nos esquecemos com frequência de que as pessoas “devem” se sentir tristes de vez em quando pelo simples fato de serem pessoas. Quando evitamos esta experiência, esta se torna mais intensa, porque tudo aquilo que evitamos ou que resistimos persiste.

Benéfico a curto prazo, ruim a longo prazo

Com frequência, este padrão de comportamento parece efetivo a curto prazo porque alivia a experiência negativa. No entanto, ao aparecer de um modo crônico e generalizado, as experiências negativas aumentam e chegam a produzir uma limitação na vida da pessoa.
Dito de outro modo, uma pessoa termina por ir contra o que é valioso para ela mesma, sendo o suicídio o representante de um caso extremo de evitação experimental. A natureza paradoxal do transtorno de evitação experimental radica, precisamente, no fato da pessoa que o sofre estar implicada em fazer o que entende que deve fazer para eliminar o sofrimento (empregando tempo e esforço em tal objetivo).
No entanto, o que obtemos ao longo prazo é que aquilo que faz a pessoa sofrer está cada vez mais presente, e sua vida cada vez mais fechada. Ela se vê impossibilitada de seguir em frente com a obtenção das metas e dos valores que são importantes para ela.
Aplicações da terapia de aceitação e compromisso
Uma análise dos estudos publicados sobre a terapia de aceitação e compromisso parece demonstrar que os grupos de transtornos onde foi reunido um maior corpo científico são, nesta ordem:
  • Os transtornos de ansiedade
  • Os vícios
  • Os transtornos de humor
  • Os quadros psicóticos


É bem possível que esta eficácia diferencial esteja relacionada, por um lado, com a ênfase que ACT coloca na aceitação – um componente sem dúvidas necessário diante de experiências associadas com a dor emocional (ansiedade, depressão, luto, transtorno pós-traumático, etc) – e por outro, na potencialização do compromisso pessoal – o que, por outro lado, parece crucial para abordar transtornos que envolvem comportamentos que colocam em risco a saúde (práticas sexuais de risco, consumo de álcool e drogas, etc).
Conseguir que o paciente se distancie e possa chegar a colocar em questão seus pensamentos e ideias pode ser uma ajuda básica para o tratamento de qualquer surto psicótico. É importante indicar que, em todos os casos, a população que pode se beneficiar desta terapia se limita a adultos verbalmente competentes.

Fonte: Mente Maravilhosa

As informações e sugestões contidas neste blog são meramente informativas e não devem substituir consultas com médicos especialistas.

É muito importante (sempre) procurar mais informações sobre os assuntos

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