Dr. Drauzio Varella
A atual epidemia de obesidade caminha em paralelo à do sedentarismo. Consequências do farto acesso a alimentos de alto conteúdo calórico e das comodidades modernas, ambas as epidemias interagem de forma sinérgica: quanto maior o excesso de peso, menor a disposição para o movimento e vice-versa.
A Organização Mundial da Saúde estima que, neste século XXI, o impacto da epidemia de obesidade na saúde dos povos será de tal ordem que o número de mortes causadas por ela deverá ultrapassar as do cigarro.
Há muito se sabe que o excesso de peso está associado ao risco de desenvolver diabetes, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares como infarto do miocárdio e derrame cerebral, enfermidades reumatológicas e outras patologias; agora, sabemos que aumenta também o risco de certos tipos de câncer. Pela alta incidência na população, o câncer de mama é o mais importante deles, uma vez que, em cada oito a nove mulheres, uma receberá esse diagnóstico ao longo da vida.
Uma das ações do estrógeno e da progesterona é estimular a proliferação das glândulas mamárias. É porque os ovários começam a produzir maiores quantidades desses hormônios que as mamas das meninas crescem na puberdade. A administração continuada de hormônios femininos exerce o mesmo efeito até em homens, como demonstram os seios de alguns travestis.
Curiosamente, a obesidade exerce influências antagônicas no risco de câncer de mama, conforme a fase da vida reprodutiva em que se encontra a mulher.
As mulheres que ganham peso excessivo já na vida adulta e chegam obesas à menopausa têm risco de desenvolver a doença de 1,5 a 2 vezes maior. Uma análise crítica de oito estudos recentes mostrou que, para cada oito quilos a mais nessa fase da vida, o risco de câncer de mama aumenta 18%.
O que têm a ver os seios com a gordura? A gordura não é um simples depósito para armazenar energia a ser queimada na época das vacas magras?
Hoje, está demonstrado que o tecido gorduroso exerce funções bem mais complexas. Ele participa do controle hormonal de forma tão ativa que os especialistas o consideram parte importante do sistema endócrino.
Com a chegada da menopausa, os ovários param de fabricar hormônios sexuais, mas o organismo feminino encontra caminhos alternativos com a finalidade de obter o estrógeno necessário para manter funções como preservar a integridade das mucosas genitais e da massa óssea, por exemplo. O mais importante deles -chamado de aromatização- acontece justamente na intimidade do tecido gorduroso.
Na mulher obesa em menopausa, quando o tecido mamário deveria gozar o merecido repouso, a aromatização ocorrida na gordura em excesso formará quantidades mais altas de estrógeno que estimulam a proliferação das glândulas mamárias, aumentando a probabilidade de surgirem células malignas resultantes de erros no processo de divisão celular. Em contraste, antes da menopausa, a obesidade está associada a uma redução futura de 10% a 30% dos casos da doença. Como explicar?
Nesse caso, também acontece a aromatização excessiva no tecido gorduroso descrita na menopausa, mas a quantidade de estrógeno produzida é pequena diante das altas concentrações liberadas na circulação pelos ovários em funcionamento durante os ciclos menstruais. Além disso, mulheres m ais jovens, quando são obesas, costumam apresentar distúrbios menstruais que incluem ciclos com ausência de ovulação, atrasos e até períodos sem menstruações, capazes de reduzir a exposição das glândulas mamárias à ação proliferativa dos hormônios sexuais.
Da mesma forma, a prática de atividade física pode reduzir a incidência de câncer de mama. Está provado que o exercício altera os ciclos menstruais e a exposição cumulativa do tecido mamário aos hormônios femininos. Atividade esportiva extenuante pode retardar o aparecimento da primeira menstruação e causar atrasos menstruais. Durante a adolescência, mesmo a atividade física moderada pode alterar a fisiologia ovariana a ponto de suspender a ovulação.
Mulheres que praticam pelo menos quatro horas de atividade física semanal durante os anos de vida reprodutiva têm risco 60% mais baixo de desenvolver câncer de mama do que as sedentárias. Nas que já atingiram a menopausa, a prática de exercício físico ambém reduz a incidência dessa enfermidade por causar diminuição dos níveis de estrógeno e da massa gordurosa. Não está claro, no entanto, se a prática recente de atividade física protege mais ou menos do que a atividade cumulativa no decorrer da vida.
Por razões pouco conhecidas, obesidade e vida sedentária aumentam também a incidência de outros tipos de câncer. Combinados, os dois fatores são responsáveis por 20% dos casos de câncer de mama, 50% dos carcinomas de endométrio (camada mucosa que reveste a parte interna do útero), 25% dos tumores malignos do cólon (intestino grosso) e 37% dos casos de adenocarcinoma de esôfago, um tipo de câncer cuja incidência aumenta exponencialmente nos últimos anos.
Descendente de hominídeos obrigados a consumir energia para obter alimentos e fugir de predadores nas florestas, o cérebro humano, desenhado em época de penúria, não estava preparado para resistir às tentações da mesa e ao conforto dos sofás.
Fonte: Dr. Drauzio Varella - Cancer de Mama.
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