Jane Karla foi diagnosticada com poliomielite na infância e teve o movimento das pernas prejudicado e quando adulta superou o câncer de mama.
Quem vê a atleta paraolímpica Jane Karla Rodrigues, 40 anos, medalhista de ouro no tênis de mesa e no tiro com arco, não imagina todas as lutas que já superou ao longo da vida. Aliás, a qualidade de persistir foi uma herança que recebeu da mãe Maria Helena, que ainda jovem saiu da roça e encarou uma cidade grande, pois queria estudar. “Ela era sonhadora e trabalhava como babá em Goiânia para se sustentar. Conheceu e se apaixonou por um rapaz, com quem namorou e morou junto, pois ambos eram do interior e estudavam. Da união surgiu uma gravidez, imediatamente aceita por ela. Ele porém, que já costumava viajar para ver os pais no interior com frequência, começou a se afastar, e quando eu nasci ele a abandonou”, conta Karla.
Maria que achava que tinha encontrado um ‘príncipe encantado’, de repente, se deparou com uma grande frustração: ele virou ‘sapo’. Ela soube depois que ele estava noivo de outra e iria se casar. “Minha mãe – que amava aquele homem – sofreu muito com o abandono durante a gravidez e também por ele namorar outra ao mesmo tempo que estava com ela. Mesmo sendo jovem, e sem condições financeiras, ela nunca deixou faltar nada, pois trabalhava como doméstica, e por muitas vezes, fazia também faxina em troca de um litro de leite”, detalha Jane.
Na infância, Jane foi diagnosticada com poliomielite e teve o movimento das pernas prejudicado. “Fui uma criança normal até os três anos de idade, quando tive a poliomielite. Na época havia tomado à vacina, mas mesmo assim, tive a doença. Quando foi acometida de uma febre muito alta e não ficava mais em pé, minha mãe me levou rapidamente ao hospital. Os médicos a principio falaram que era normal febre muito alta deixar a criança mole e sem forças. Depois disseram que era a garganta, até que descobriram que era poliomielite. Minha mãe sofreu muito, pois se dedicava bastante na minha criação. Cuidadosa, sempre guardou os comprovantes de vacinas, para me mostrar quando entendesse. Tinha medo de eu pensar que não havia sido vacinada”, conta.
A vida foi muito difícil para a Maria Helena, que não conseguiu estudar e continuou trabalhando como doméstica, e nos momentos de folga, levava a filha para fazer fisioterapia. “Como ela não tinha muito tempo para ir à fisioterapia, aprendeu como deveria ser feito e, graças a este esforço, consegui andar novamente. Todo o tempo que tinha para descansar ficava ao meu lado, fazendo massagens fisioterápicas. Depois da decepção amorosa, minha mãe não se casou e não teve mais filhos, para se dedicar o máximo possível a mim. Ela foi uma ‘super mãe’ e é minha grande guerreira!”, descreve.
A poliomielite não impediu Jane Karla de ter uma infância normal. “Como eu era muito pequena, não sabia como seria a vida sem a deficiência. Minha infância foi muito boa porque tinha muitos amigos. A maioria das vezes eu me adaptava as brincadeiras para não ficar de fora. Então quando era para pular corda, eu batia a corda para as coleguinhas pular, se a brincadeira era de elástico, eu segurava para eles pularem. Mas, o que mais gostava era brincar com os meninos, pois eles brincavam com estilingues, bolinhas de gude e vários outros jogos, que eu poderia fazer, sem precisar correr ou pular. A poliomielite me deixou com limitações como correr, pular e perda de forças nos membros inferiores e também me deixou com desequilíbrio. Eu ando sem auxilio, mas para praticar esporte uso cadeira de rodas devido o nível da minha deficiência”, explica.
Como andava diferente, na escola Jane Karla despertava certa curiosidade dos demais alunos. “Sempre tinha colegas da escola perguntando o que eu tinha na perna e porque eu andava diferente. Alguns faziam comentários maldosos. Não foi fácil ser diferente, pois na fase de criança e adolescente não queria chamar atenção. Quando você tem uma deficiência e não é compreendido, por ser diferente, é dolorido, pois os outros ficam olhando e fazendo comentários. Mesmo assim, foi uma fase que eu consegui superar e ignorar tudo, com a ajuda de minha mãe. Nada me impediu de buscar meus sonhos, estudei, casei tive filhos e agora tenho minha família e descobri o esporte”, detalha.
Jane tem dois filhos: o Lucas, de 16 anos, e a Lethicia, de 13 anos. “Tive uma vida normal no casamento, somente a cada gravidez apresentei problemas com o peso a mais, pois a força da perna não resistia. Nas duas gestações cai e fraturei o pé, e sempre acabava a gravidez engessada e na cadeira de rodas. Também não posso ter parto normal e, por isso, foram cesarianas, com uma recuperação muito difícil, porque tinha muita dificuldade em movimentar. Sempre me adaptei bem a tudo! Meus filhos nunca foram carregados no colo por mim, porque o risco para eu cair com eles era grande, então sempre usei o carrinho para andar com as crianças. Na fase de começar os primeiros passos, usei o andador e minha mãe também ajudou muito, desde o nascimento deles – até quando Deus permitiu que estivesse ao nosso lado. Sinto muita falta, ela foi uma ‘super mãe’, ‘super avó’ e uma ‘super mulher’. Ela me ensinou que ser mãe é dar o melhor de si, é não esperar nada em troca, é descobrir o amor verdadeiro e é estar ao lado nos momentos bons e ruins . Queria muito ela aqui, ao meu lado agora”, desabafa.
Em 2003, já casada e mãe de dois filhos, Jane começou a praticar esportes como forma de reabilitação. Ela foi convidada a experimentar algumas modalidades esportivas na Associação de Deficientes Físicos do Estado de Goiás. Experimentou vários esportes, porém com o tênis de mesa foi ‘amor à primeira raquetada’ – como gosta de dizer. Começou a praticar a modalidade e, no mesmo ano, foi chamada para completar a seleção de tênis de mesa nos Jogos Parapan-Americanos, na Argentina. Quando voltou ao Brasil, intensificou os treinos e, daí para frente, veio uma conquista atrás da outra. A lista é extensa: a atleta paraolímpica foi campeã brasileira da modalidade em 2004, ganhou duas medalhas de ouro nos Jogos Parapan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007. Com a participação nas Paraolimpíadas 2008, na China, também conquistou a ‘Bolsa Paraolímpica’, que ofereceu também a possibilidade de ficar financeiramente mais independente.
Em 2010, em meio as conquistas esportivas, Jane foi diagnosticada com câncer de mama. “Os dois primeiros médicos que eu procurei não diagnosticaram o câncer de mama. O terceiro também não notou nenhuma alteração nas imagens do ultrassom, mas pediu uma biópsia. Eu fui viajar para um campeonato e, quando voltei, recebi a notícia: estava com câncer de mama. No meu caso, o diagnóstico de câncer de mama ocorreu no estágio inicial e, por isso, logo comecei o tratamento. Isso foi muito importante para me dar força e determinação para vencer a doença e, ainda por cima, não precisei ficar muito tempo afastada do esporte”, diz Jane.
Mesmo em tratamento para combater a doença, ela não parou de competir. “O esporte para mim é sinônimo de superação e mostra que tudo é possível. Foi muito difícil, e mais difícil ainda porque minha mãe e eu fomos lutando a mesma luta, e ao mesmo tempo. O esporte e minha família me deu muita força. Até participei de um campeonato internacional de tênis de mesa no Rio de Janeiro durante minha quimioterapia e ainda ganhei duas medalhas de ouro e uma de bronze”, conta.
Jane venceu a doença. “Com 28 anos de idade, eu nunca tinha praticado nenhum esporte, com 32 anos ganhei duas medalhas de ouros nos Jogos Parapan-Americanos. E com 40 anos, sou novamente campeã Parapan-Americana em outra modalidade e ainda irei fazer parte da seleção Paraolímpica de tiro com arco do Brasil em 2016”, comemora.
Como houve mudanças das regras para atletas da Confederação Brasileira de tênis de mesa e teria que morar e treinar longe da família, Jane decidiu mudar de modalidade. “Consegui treinar tiro com arco em Goiânia e, por isso, decidi arriscar. Devolvi minha vaga garantida para os Jogos Parapan-Americanos em Toronto, no tênis de mesa, e treinei firme para conquistar uma vaga no tiro com arco. Deu tudo certo e ainda ganhei a medalha de ouro em Toronto”.
Idade não é problema para Jane, que tem quarenta anos e não teve medo de ousar. “Não existem atletas jovens ou velhos, mas, somente atletas bons ou ruins. Treino bastante para sempre fazer parte do grupo dos atletas bons, independente da minha idade. Acredito que meus resultados são a confirmação disso. Com minha mãe, aprendi a ser guerreira”, desabafa.
As suas vitórias Jane dedica a Deus e ao marido Joachim: “ele foi um anjo que Deus mandou para me apoiar no momento mais difícil de minha vida, quando eu e a minha mãe estavamos passando pelo tratamento de câncer de mama.” Ela é grata também à madrinha Terezinha, que ajudou muito a sua mãe nos momentos mais críticos da vida, e ao casal Valdeci e Lacy. “Quando eu era criança tivemos uma ajuda muito importante desta família, que deixou a gente morar em um cômodo, em uma oficina mecânica deles, sem precisar pagar aluguel. Com isso minha mãe conseguiu economizar e comprar um lote e construir dois cômodos e um banheiro para morarmos. Foi o maior bem que minha mãe conseguiu na vida. Eu só tenho agradecer a Deus por sempre colocar pessoas incríveis em minha vida!”.
Um dos grandes aprendizados deixado por Maria Helena para a filha foi que: “não adianta reclamar sobre circunstanciais, é necessário se adaptar e resolver a situação. Às vezes o caminho certo não é óbvio, mas ele sempre existe.”. A outras mulheres, Jane aconselha: “nunca desista dos seus sonhos, se não der certo de um jeito, tente de outro!”