Como psicóloga, Elza Fonseca estava acostumada a lidar com as dores do outro. Ao receber o diagnóstico de câncer, passou por várias fases até vencer a depressão
A vida de Elza Fonseca, 58 anos, mudou para sempre em 17 de setembro de 2010. A data marca a cirurgia para a retirada da mama, comprometida por um tumor maligno. A descoberta da doença, em agosto do mesmo ano, foi o ponto de partida de uma odisseia que ainda não acabou, mas que se encaminha para um final feliz. “Sentia muita insegurança e medo. Não sabia se ia conseguir sair dessa”, descreve a psicóloga. Assim como Elza, pacientes com câncer precisam aprender a lidar com a frustração, o medo e o assombro — além do exaustivo tratamento. Por isso, alterações de humor durante o tratamento são comuns: irritabilidade, depressão, tristeza e outros sentimentos negativos podem passar a fazer parte da rotina. O segredo, de acordo com especialistas, é não deixar o desânimo fincar raízes.
No caso de Elza, a tristeza quase conseguiu fixar morada. Acostumada a lidar com problemas de outras pessoas, a psicóloga se viu em um paradoxo: não conseguia controlar os próprios sentimentos. “Comecei a pensar que seria melhor não ter conhecimento nenhum”, desabafa. A insegurança foi, aos poucos, dando lugar à depressão. Angustiada, Elza encontrou na família e nos amigos também psicólogos o amparo emocional que precisava. “Tentei uma consulta com a psicóloga hospitalar, não me identifiquei com ela. Mas o importante é poder falar.”
No caso de Elza, a tristeza quase conseguiu fixar morada. Acostumada a lidar com problemas de outras pessoas, a psicóloga se viu em um paradoxo: não conseguia controlar os próprios sentimentos. “Comecei a pensar que seria melhor não ter conhecimento nenhum”, desabafa. A insegurança foi, aos poucos, dando lugar à depressão. Angustiada, Elza encontrou na família e nos amigos também psicólogos o amparo emocional que precisava. “Tentei uma consulta com a psicóloga hospitalar, não me identifiquei com ela. Mas o importante é poder falar.”
Externar sentimentos é uma maneira de evitar que a raiva, a tristeza, a angústia ou o estresse evoluam para um quadro depressivo, um transtorno psiquiátrico comum em pacientes oncológicos e que atinge de 22% a 29% deles, de acordo com Cristina Perez, psicóloga e consultora da Fundação do Câncer. “Partindo do princípio de que nossos pensamentos geram nossos sentimentos e, consequentemente, a forma como lidamos com as situações difíceis, o suporte psicológico possibilita ao paciente entendê-los melhor e, assim, aprender a lidar com eles.”
Antidepressivos, técnicas de relaxamento, terapia individual e em grupo são algumas estratégias usadas para prevenir o desenvolvimento da depressão, segundo Cristina. Para pacientes com câncer, a terapia é altamente recomendada no tratamento, embora não seja obrigatória. “É importante que o paciente se sinta à vontade, concorde com a psicoterapia e entenda a sua importância”, reforça.
Antidepressivos, técnicas de relaxamento, terapia individual e em grupo são algumas estratégias usadas para prevenir o desenvolvimento da depressão, segundo Cristina. Para pacientes com câncer, a terapia é altamente recomendada no tratamento, embora não seja obrigatória. “É importante que o paciente se sinta à vontade, concorde com a psicoterapia e entenda a sua importância”, reforça.
Era na conversa com os amigos que Elza Fonseca conseguia chorar. “O mais complicado é o olhar do outro. Quando você fala ‘estou com câncer’, é como se estivesse assinando um atestado de óbito.” Quando contou a uma pessoa a quem ela atende que estava doente, por exemplo, foi Elza que precisou consolá-la. O mesmo aconteceu quando foi à cabeleireira raspar os já esparços fios de cabelo remanescentes da quimioterapia. Toda a projeção emocional alheia fez com que seus próprios sentimentos se tornassem ainda mais pesados.
A reviravolta começou quando Elza passou a encarar o problema. Ao se assumir doente e em processo de cura, a confiança reapareceu — trazendo, de lambuja, o bom humor. Ajudar um paciente oncológico a recuperar a vontade de lutar é a prioridade de quem acompanha a doença de perto. Mas nem sempre boas intenções têm resultados positivos. “Quando me falavam que eu tiraria de letra, ficava arrasada”, exemplifica. “Isso não permitia que eu sofresse, não me ajudava a enfrentar a doença com realidade.”
A reviravolta começou quando Elza passou a encarar o problema. Ao se assumir doente e em processo de cura, a confiança reapareceu — trazendo, de lambuja, o bom humor. Ajudar um paciente oncológico a recuperar a vontade de lutar é a prioridade de quem acompanha a doença de perto. Mas nem sempre boas intenções têm resultados positivos. “Quando me falavam que eu tiraria de letra, ficava arrasada”, exemplifica. “Isso não permitia que eu sofresse, não me ajudava a enfrentar a doença com realidade.”
"Por mais que a família esteja presente, o paciente passa pela doença de maneira solitária” - Mônica Marchese, psicóloga
"É comum o paciente dizer que não quer dar trabalho, pois está vendo o familiar cansado, adiando compromissos. Essas coisas precisam ser conversadas. É preciso ter liberdade para dizer ‘hoje eu não posso, mas amanhã estarei com você’” - Raquel França, psicóloga
Pensamento positivo e terapias ocupacionais foram aliados para Rosangélica Thomaz Maya vencer o câncer
Futuro em modo de espera
Se doses cavalares de medicamentos e seus efeitos colaterais já não fossem suficientes para alterar o humor de alguém, some a isso procedimentos cirúrgicos e a mudança radical na rotina. Planos adiados ou cancelados por tempo indeterminado também não ajudam a manter o astral lá no alto. Mônica Marchese, psicóloga do Hospital do Câncer 1 do Instituto Nacional de Câncer (Inca), explica que a ansiedade é o sentimento campeão entre os pacientes. A nova organização da vida, segundo a especialista, é uma ruptura traumática. “Receber um diagnóstico de uma doença que muitos ainda associam à morte faz com que aconteça uma bagunça psicológica.”
Nos consultórios, Marchese diz que o medo de não conseguir realizar projetos de vida é uma preocupação recorrente. “É o medo da morte, quando a pessoa se depara com a possibilidade de uma finitude. É comum os pacientes dizerem que não planejam mais o futuro, que querem viver um dia de cada vez. Mas todos precisamos da fantasia de que tem algum sentido viver, como ir para o trabalho, fazer planos”, justifica a psicóloga.
Outra fonte de angústia são os efeitos colaterais, que são erroneamente interpretados como um sinal de que o tratamento não está dando certo. Quanto mais efeitos colaterais, mais apreensão; quanto mais apreensão, piores os efeitos colaterais. “É comum pacientes falarem que da outra vez não enjoaram tanto, que agora nada para no estômago, e começarem uma autopressão”, completa Raquel França, psicóloga e especialista em psicologia da saúde e hospitalar. O que ocorre é que a quimioterapia intoxica o organismo. Muitas vezes, o corpo não teve tempo de se recuperar da última sessão e fica mais fraco.
O empoderamento psicológico é uma parte importante do tratamento. Segundo Raquel França, a psico-oncologia (especialidade que cuida do aspecto emocional do câncer) defende que tratar dos pensamentos também tem efeitos no sistema imunológico — é uma ajuda efetiva no tratamento contra o câncer. “Fazemos um processo psicológico de aceitação da doença, para que o paciente pense sobre o que significa o processo, qual o tratamento e quais suas chances reais”, detalha França. Diferentemente da terapia convencional, em que o paciente aborda os conflitos da vida, a psico-oncologia foca na doença e em como enfrentar o problema da melhor forma possível.
O pensamento positivo foi um dos aliados de Rosangélica Thomaz Maya, 47 anos. Há cinco anos, a servidora pública fez 18 meses de quimioterapia e, atualmente, é considerada curada do câncer de mama. Quando descobriu o nódulo no seio, a primeira reação foi de espanto. A notícia de que teria que passar pela químio e pela radioterapia a fez desabar. Antes do tratamento, seria preciso uma cirurgia de mastectomia total, ou seja, retirar todo o seio. “Foi muito difícil para mim, mas nunca me perguntei por que estava acontecendo comigo. Foi algo que aceitei.”
Se doses cavalares de medicamentos e seus efeitos colaterais já não fossem suficientes para alterar o humor de alguém, some a isso procedimentos cirúrgicos e a mudança radical na rotina. Planos adiados ou cancelados por tempo indeterminado também não ajudam a manter o astral lá no alto. Mônica Marchese, psicóloga do Hospital do Câncer 1 do Instituto Nacional de Câncer (Inca), explica que a ansiedade é o sentimento campeão entre os pacientes. A nova organização da vida, segundo a especialista, é uma ruptura traumática. “Receber um diagnóstico de uma doença que muitos ainda associam à morte faz com que aconteça uma bagunça psicológica.”
Nos consultórios, Marchese diz que o medo de não conseguir realizar projetos de vida é uma preocupação recorrente. “É o medo da morte, quando a pessoa se depara com a possibilidade de uma finitude. É comum os pacientes dizerem que não planejam mais o futuro, que querem viver um dia de cada vez. Mas todos precisamos da fantasia de que tem algum sentido viver, como ir para o trabalho, fazer planos”, justifica a psicóloga.
Outra fonte de angústia são os efeitos colaterais, que são erroneamente interpretados como um sinal de que o tratamento não está dando certo. Quanto mais efeitos colaterais, mais apreensão; quanto mais apreensão, piores os efeitos colaterais. “É comum pacientes falarem que da outra vez não enjoaram tanto, que agora nada para no estômago, e começarem uma autopressão”, completa Raquel França, psicóloga e especialista em psicologia da saúde e hospitalar. O que ocorre é que a quimioterapia intoxica o organismo. Muitas vezes, o corpo não teve tempo de se recuperar da última sessão e fica mais fraco.
O empoderamento psicológico é uma parte importante do tratamento. Segundo Raquel França, a psico-oncologia (especialidade que cuida do aspecto emocional do câncer) defende que tratar dos pensamentos também tem efeitos no sistema imunológico — é uma ajuda efetiva no tratamento contra o câncer. “Fazemos um processo psicológico de aceitação da doença, para que o paciente pense sobre o que significa o processo, qual o tratamento e quais suas chances reais”, detalha França. Diferentemente da terapia convencional, em que o paciente aborda os conflitos da vida, a psico-oncologia foca na doença e em como enfrentar o problema da melhor forma possível.
O pensamento positivo foi um dos aliados de Rosangélica Thomaz Maya, 47 anos. Há cinco anos, a servidora pública fez 18 meses de quimioterapia e, atualmente, é considerada curada do câncer de mama. Quando descobriu o nódulo no seio, a primeira reação foi de espanto. A notícia de que teria que passar pela químio e pela radioterapia a fez desabar. Antes do tratamento, seria preciso uma cirurgia de mastectomia total, ou seja, retirar todo o seio. “Foi muito difícil para mim, mas nunca me perguntei por que estava acontecendo comigo. Foi algo que aceitei.”
Para manter o astral elevado, Rosangélica praticava arteterapia na clínica em que se tratava. A atividade a motivava e a ajudava a se manter mais serena. “Eu dormia durante a quimio, de tanto que me sentia acolhida e protegida”, completa. “Conviver com outros pacientes me deu força.” Um curso de meditação fez com que Rosangélica descobrisse outra válvula de escape.
A assistência da família também ajudou no processo. Mesmo assim, o desânimo e a depressão, às vezes, apareciam. “Eu pensava no meu filho, com 8 anos, e me perguntava como seria se eu não ficasse curada.”
"Eu dormia durante a químio, de tanto que me sentia acolhida e protegida. Conviver com outros pacientes me deu força” Rosangélica Thomaz Maya, servidora pública.
Ajuda consciente
O câncer não atinge apenas quem recebe o diagnóstico. Para os cuidadores, conviver com a doença e administrar as alterações de humor (do paciente e deles próprios) é tarefa delicada, que exige sensibilidade e paciência. Cristina Perez, psicóloga e consultora da Fundação do Câncer, explica que conhecer a doença já é um bom começo. Entender o tratamento ajuda a ter uma ideia do que o paciente está enfrentando. Mas é preciso cuidado para não tratar o paciente exclusivamente como doente. Colocar-se disponível para conversas, passeios e planos futuros alavanca a autoestima.
A vida de quem cuida do paciente se modifica, e o sentimento de impotência diante dos efeitos da doença é comum. Raquel França, psicóloga e especialista em psicologia da saúde e hospitalar, explica que a intervenção psicólogica em cuidadores é importante para ativar a crítica de que “o acontecimento é mais um acontecimento”, ou seja: a vida não precisa nem deve parar por conta da doença. “É importante que eles arrumem mecanismos, defesas para continuar suas atividades, além de perceber que a rotina demandará uma energia maior”, resume.
Para que o paciente fique bem, é importante que os cuidadores estejam bem. “É comum o paciente dizer que não quer dar trabalho, pois está vendo o familiar cansado, adiando compromissos”, completa Raquel França. “Essas coisas precisam ser conversadas. É preciso ter liberdade para dizer ‘hoje eu não posso, mas amanhã estarei com você’.” Muitas vezes, os cuidadores sentem-se cansados, isolados, estressados ou ansiosos. Todos esses sentimentos são legítimos, mas não ajudam em nada o paciente. “Os cuidadores são menos propensos a procurar apoio. Enquanto um familiar está ajudando o seu ente querido, ele também deve cuidar de si mesmo”, reforça Cristina Perez. “Cuidadores informados e apoiados podem gerenciar melhor os momentos mais difíceis e são mais capazes de verem melhor o valor do cuidado prestado.”
Mônica Marchese, psicóloga do Hospital do Câncer 1 do Instituto Nacional de Câncer (Inca), frisa que estar junto não quer dizer estar misturado. O suporte é importante, porém só o paciente sabe pelo que está passando. “Por mais que a família esteja presente, o paciente passa pela doença de maneira solitária”, reforça. Entender que o tempo do doente é diferente do tempo do cuidador é essencial para não sufocar o paciente. “É importante valorizar essa vivência como uma coisa singular. Cada um vive o câncer de um jeito.”
O câncer não atinge apenas quem recebe o diagnóstico. Para os cuidadores, conviver com a doença e administrar as alterações de humor (do paciente e deles próprios) é tarefa delicada, que exige sensibilidade e paciência. Cristina Perez, psicóloga e consultora da Fundação do Câncer, explica que conhecer a doença já é um bom começo. Entender o tratamento ajuda a ter uma ideia do que o paciente está enfrentando. Mas é preciso cuidado para não tratar o paciente exclusivamente como doente. Colocar-se disponível para conversas, passeios e planos futuros alavanca a autoestima.
A vida de quem cuida do paciente se modifica, e o sentimento de impotência diante dos efeitos da doença é comum. Raquel França, psicóloga e especialista em psicologia da saúde e hospitalar, explica que a intervenção psicólogica em cuidadores é importante para ativar a crítica de que “o acontecimento é mais um acontecimento”, ou seja: a vida não precisa nem deve parar por conta da doença. “É importante que eles arrumem mecanismos, defesas para continuar suas atividades, além de perceber que a rotina demandará uma energia maior”, resume.
Para que o paciente fique bem, é importante que os cuidadores estejam bem. “É comum o paciente dizer que não quer dar trabalho, pois está vendo o familiar cansado, adiando compromissos”, completa Raquel França. “Essas coisas precisam ser conversadas. É preciso ter liberdade para dizer ‘hoje eu não posso, mas amanhã estarei com você’.” Muitas vezes, os cuidadores sentem-se cansados, isolados, estressados ou ansiosos. Todos esses sentimentos são legítimos, mas não ajudam em nada o paciente. “Os cuidadores são menos propensos a procurar apoio. Enquanto um familiar está ajudando o seu ente querido, ele também deve cuidar de si mesmo”, reforça Cristina Perez. “Cuidadores informados e apoiados podem gerenciar melhor os momentos mais difíceis e são mais capazes de verem melhor o valor do cuidado prestado.”
Mônica Marchese, psicóloga do Hospital do Câncer 1 do Instituto Nacional de Câncer (Inca), frisa que estar junto não quer dizer estar misturado. O suporte é importante, porém só o paciente sabe pelo que está passando. “Por mais que a família esteja presente, o paciente passa pela doença de maneira solitária”, reforça. Entender que o tempo do doente é diferente do tempo do cuidador é essencial para não sufocar o paciente. “É importante valorizar essa vivência como uma coisa singular. Cada um vive o câncer de um jeito.”
Fonte: Saúde Plena. Gláucia Chaves - Revista do CB.
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