Agência FAPESP – Assim como os tecidos e órgãos humanos, os tumores são formados por agrupamentos de células que aderem e interagem umas com as outras. Se a adesão e a interação entre as células tumorais eventualmente for fraca, maior é a probabilidade de elas se soltarem e migrarem para outros órgãos e tecidos e dar origem à metástase (propagação de um câncer).
Pesquisadores do Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Sangue (INCT Sangue),apoiado pela FAPESP, desvendaram o papel desempenhado por uma proteína – chamada ARHGAP21 – nesses processos de adesão e migração celular.
Os resultados da pesquisa ganharam a capa do The Journal of Biological Chemistry, editado pela Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia Molecular, e podem contribuir para o desenvolvimento de técnicas que possibilitem inativar essa proteína nas células tumorais para impedir o surgimento de metástases.
“O grande problema de um tumor é a metástase. Se conseguirmos bloqueá-la, será possível impedir a propagação de células cancerosas para outros órgãos e aumentar a chance de cura”, disse Karin Spat Albino Barcellos, primeira autora do artigo, à Agência FAPESP.
Barcellos conta que a ARHGAP21 foi sequenciada e descrita pela professora Sara Teresinha Olalla Saad, coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Sangue, durante o Projeto Genoma Humano do Câncer, realizado pela FAPESP em parceria com o Instituto Ludwig e concluído em 2002. Ainda não se sabia, no entanto, qual era o papel desempenhado pela proteína nas células.
Nos últimos anos, durante um Projeto Temático coordenado por Saad, Barcellos e outros pesquisadores participantes do estudo descobriram que a ARHGAP21 regula o citoesqueleto (responsável por manter a forma das células e as junções celulares) e atua nas proteínas Rho-GTPases – grupo de aproximadamente 20 proteínas que regulam o movimento, adesão, migração e diferenciação das células.
“Vimos que as Rho-GTPases precisam da ARHGAP21 durante a formação da adesão célula-célula, e que a ARHGAP21 participa desse processo ao ficar entre as junções celulares e, depois de algumas horas que ele é concluído, ela vai embora. Por isso, ainda não tínhamos conseguido ver a presença da ARHGAP21 no processo de adesão célula-célula”, explicou Barcellos.
Para observar o comportamento da ARHGAP21 nos processos de adesão e migração celular, o grupo fez em laboratório um experimento que simula o desenvolvimento de uma metástase.
Denominada transição epitelial-mesenquimal, a técnica de simulação in vitro de metástase já era explorada por grupos de pesquisa em outros países, como os do Departamento de Fisiologia e Desenvolvimento Biológico da Brigham Young University em Utah, nos Estados Unidos.
Ao fazer um estágio em Utah com a reserva técnica de seu projeto de pós-doutorado, realizado com Bolsa da FAPESP, no âmbito do Projeto Temático coordenado por Saad, Barcellos conheceu a técnica e decidiu replicá-la para analisar as funções da ARHGAP21em adesão e migração celular ao retornar ao Brasil.
Uma das hipóteses dos pesquisadores antes de iniciar o experimento era de que, como a ARHGAP21 tem um papel estratégico na adesão celular, ao retirá-la de células humanas tumorais de câncer de próstata durante os testes em laboratório, a sua migração e, consequentemente, a metástase, seria muito maior do que a observada em células cancerígenas com a proteína.
Ao aplicar nas células cancerígenas sem a ARHGAP21 frações de HGF – um hormônio produzido principalmente pelo fígado, que faz com que as células se separem uma das outras para formar os órgãos e tecidos na fase embrionária –, os pesquisadores constataram, no entanto, que elas nem se moviam e não ocorria metástase.
“No começo, achamos que estávamos errando em alguma fase do experimento, como esquecer de colocar o HGF. Porém, repetimos várias vezes o experimento e vimos que, de fato, sem ARHGAP21 as células cancerígenas não se soltam e não migram. Esse resultado nos surpreendeu”, afirmou Barcellos.
Os pesquisadores descobriram que, na realidade, a ARHGAP21 está localizada na via de sinalização do HGF das células e regula a transição epitelial-mesenquimal. As células sem a proteína na via de sinalização do HGF, por exemplo, sentem a presença do hormônio, mas não conseguem se soltar uma das outras.
“Demonstramos que é possível bloquear metástases induzidas por HGF por meio da inativação da ARHGAP21 em testes in vitro”, afirmou Barcellos. “Ainda não sabemos, no entanto, se é possível inativar essa proteína em humanos, porque ela deve exercer muitas outras funções, inclusive benéficas, nas células.”
Por meio de um novo Projeto Temático, também apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Sara Saad, os pesquisadores pretendem realizar simulações de diversos tipos de tumores em camundongos com células cancerígenas sem a ARHGAP21.
“Será muito importante testarmos isso agora em camundongos e ver se funciona para avaliar a possibilidade de utilizar a técnica em humanos para bloquear metástase”, disse Barcellos.
“Talvez seja preciso tirar a ARHGAP21 só das células com tumor ou bloquear o sítio da proteína que sente o HGF, para que a proteína possa desempenhar as outras funções benéficas”, estima.
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